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Juiz trava projeto de porto em área indígena de Peruíbe (SP). Empresa diz que propôs realocar índios de Peruíbe para Itanhaém (SP)

Juiz trava projeto de porto em área indígena de Peruíbe (SP). Empresa diz que propôs realocar índios de Peruíbe para Itanhaém (SP) 31 de março de  2008



A presença de índios tupis-guaranis na terra indígena Piaçagüera é hoje o principal entrave para a construção de um megaempreendimento em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo: o Porto Brasil, projeto orçado em R$ 6 bilhões e que divide opiniões no município. Por Afra Balazina, Enviada especial da Folha a Peruíbe, na Folha Online, 30/03/2008.



Cerca de 50 famílias –ou 180 índios– vivem em cabanas e casas que foram de funcionários de uma ferrovia desativada que passa pelo terreno, conhecido como espólio (conjunto dos bens deixados por alguém ao morrer) Leão Novaes.


Na última quarta-feira (26) deveria ter ocorrido a primeira audiência pública sobre o projeto, mas a reunião foi cancelada por determinação do juiz federal substituto Antonio André Muniz Mascarenhas de Souza, por meio de uma liminar.


O cancelamento foi pedido pelo Ministério Público Federal pelo fato de a área abrigar uma população indígena.


Em comunicado, o órgão afirmou considerar “incongruente” que o Consema (conselho estadual do meio ambiente) dê início ao licenciamento de um empreendimento em uma área que o próprio poder público reconhece se tratar de terra tradicionalmente ocupada pelos índios.


O juiz cita em sua decisão o artigo 231 da Constituição, que afirma que as terras indígenas “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.


O artigo diz ainda que “é vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras”, a não ser que o Congresso Nacional aprove a medida.


Placas da Funai (Fundação Nacional do Índio) no local onde o porto pode futuramente ser construído informam tratar-se de área protegida, porém a terra ainda não foi oficialmente demarcada.


“A área foi delimitada em 2002, e o processo está sendo finalizado. Pode ser que a demarcação saia no Dia do Índio [19 de abril]“, afirma Cristiano Hutter, chefe da Funai em Itanhaém/Peruíbe.


Os índios vivem da venda de artesanato e palmito, além de doações. Alguns trabalham na escola estadual indígena de primeira a quarta série do ensino fundamental.


Investimento


O investimento anunciado para a construção do porto de cargas pela empresa LLX –do grupo EBX, do empresário Eike Batista– é de R$ 6 bilhões.


Como comparação, o Orçamento do município de Peruíbe gira em torno de aproximadamente R$ 105 milhões.


O projeto prevê a construção de uma ilha artificial com capacidade para receber 11 navios simultaneamente.


Como a profundidade chegará a 18,5 m, navios de grande porte poderão atracar ali. Uma ponte ligará a ilha ao continente –dessa forma, afirma a empresa, a praia não será impactada negativamente.


A população, em geral, vê o porto como possibilidade de progresso e modernização.


São previstos 30 mil empregos diretos e indiretos na construção do porto e outras 5.000 vagas na operação.


Ambientalistas criticam o projeto e afirmam que a obra trará enormes prejuízos. Peruíbe conta com áreas preservadas de mata atlântica –parte da Juréia, que é uma unidade de conservação, por exemplo, fica dentro da área do município. Animais ameaçados de extinção, como o papagaio-da-cara-roxa, são vistos por ali.


As ONGs tentam chamar a atenção dos turistas para a poluição que o porto pode trazer. A ONG Mongue, de proteção ao sistema costeiro, distribuiu panfletos aos visitantes na Páscoa. “Aproveite o dia! Afinal, esta pode ser a última vez que você vem aqui”, afirma o texto.


Empresa diz que propôs realocar índios de Peruíbe para Itanhaém (SP)


O diretor de desenvolvimento da LLX, José Salomão Fadlalah, afirma que a empresa propôs aos índios realocá-los numa fazenda em Itanhaém, cidade vizinha a Peruíbe.


“A área em que eles estão não é indígena, não está demarcada. Hoje eles não têm nem sequer água potável no local. Oferecemos uma fazenda com mata, dois rios, cachoeira e possibilidade de caça”, diz o diretor.


Ainda segundo ele, a fazenda já tem 100 mil pés de palmito plantados, além de serralheria e marcenaria. “Não gostaríamos de dar salário, mas de fazer um plano para que eles consigam se manter com a estrutura oferecida”, diz.


A aldeia está dividida com a proposta. Doze famílias afirmam que aguardam a demarcação da terra e que não vão negociar de forma nenhuma com a LLX. “Estamos batalhando para demarcar [a área]“, diz o cacique Aua-dju, 48, mais conhecido como Pitotó.


Segundo ele, se não sair a demarcação, a negociação será com a Funai (Fundação Nacional do Índio), e não com a empresa. “Eu não nasci aqui, nasci na aldeia Bananal, também em Peruíbe. Mas essa é uma área tradicional dos índios. Uma índia vive aqui há 60 anos. E sempre usamos a área para trânsito e coleta de maracujá, caju. Também há cemitérios indígenas na terra”, afirma o cacique.


O pajé Guaíra também teme perder a posse da área. “Se não lutarmos pela terra, o que nossos filhos e netos vão pensar?” Ele lamenta a divisão da aldeia por conta do empreendimento. “Somos um grupo só.”


Outra parte da tribo, entretanto, admite que tenta negociar com a empresa. Eles afirmam que a LLX ainda não lhes deu nada e que a negociação está estagnada no momento.


“Eles não cumpriram nada até agora”, afirma Fabíola dos Santos Cirino, 25, vice-diretora da escola estadual indígena.


A professora de pré-escola Lilian Gomes, 42, afirma que os índios acham difícil vencer uma empresa tão poderosa e rica e que aceitaram negociar para não “sair sem nada” caso tenham de deixar a terra.


“Eles ofereceram uma fazenda com escola, posto de saúde e uma compensação financeira. Mas a fazenda não tinha casas suficientes para todos”, diz ela.


A reportagem questionou de quanto seria a “compensação financeira”, mas as índias disseram que o valor não chegou a ser determinado.


Após conversar com a Folha, a professora saiu com sua turma de alunos, de três a seis anos, para um passeio numa trilha de mata em direção à praia. Os estudantes se integram naturalmente ao ambiente –pisam em poças, sobem em galhos, rolam na grama e fazem estrelas e cambalhotas na areia. “As crianças adoram pegar abricó nas árvores”, conta. Uma das alunas explica à reportagem que a semente da fruta serve para fazer brincos e colares. Já na praia, os estudantes brincam de roda e cantam “se eu fosse um peixinho e soubesse nadar…”











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